Visão sexual fora de foco...


Era uma cidade pequena do interior, semelhante a tantas outras.
Sua única originalidade _ além da sua bela geografia montanhosa _ tinha sido um violento sismo que, no passado, tinha produzido considerável destruição e mortes.
O Terremoto não se repetira, mas os habitantes nunca mais foram os mesmos.
A tragédia os marcou de tal maneira que deixaram de confiar na solidez dos tetos e na estabilidade da terra em que pisaram.
Seus rostos sérios e atitudes reservadas são restos atuais do fatídico episódio.
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Yolanda passou por uma experiência semelhante. O abuso infantil foi um brutal terremoto que sacudiu seu passado e a atacou precocemente, desgarrando-a da infância de uma forma violenta e prematura.
Até hoje sente seus efeitos.
As terapias são uma das poucas ferramentas disponíveis para recuperar a confiança nas pessoas e na solidez do terreno.
Não há cura para os sismos. Na melhor das hipóteses, com o tempo, perdem sua força e são apagados da memória.
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O trauma infantil da Yolanda fez com que agora, adulta, não consiga acertar o passo da abordagem sexual masculina. Ela se precipita na hora de ir para a cama e se arrepende imediatamente depois, convencida de ter estragado definitivamente o encontro. Sua atitude não é racional, nem adequada, porém é compreensível, considerando os episódios infantis dos quas foi vítima, obrigada a um sexo alheio, sem consentimento, nem participação voluntária. Sua atitude atual é exatamente inversa: É ela que assume a iniciativa sexual sem dar tempo de ser conquistada pelo homem. Yolanda incorpora uma mulher "pseudo liberal", que precipita a sexualidade, e nessa pressa inverte sua atitude passiva do passado.
De alguma forma, "estupra-o", e assim evita ser ela a criança abusada.
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É assim que funciona o aparelho psíquico, como reação e defesa a um trauma: repete-o; porém, ao fazê-lo de forma invertida, corrige-o. Seu arrependimento e vergonha por sua precipitação se devem à sua avaliação consciente do seu comportamento como "viciada", "prostituta", e acredita que, por isso, será desvalorizada no mundo masculino. Sua consciência se engana quando acredita que sua pressa sexual é um erro irreparável. Pode não ser, vira irreparável quando ela fecha a porta à possibilidade de algum homem permanecer ao seu lado. Precipita-se em expulsá-lo, convencida do seu desprestígio.
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Na verdade, a Yolanda não deveria se precipitar, nem precisaria sistematicamente negar o sexo depois de ter aberto o caminho, porém, suas atitudes são o único modo que conhece de relatar sua história, e o faz de uma forma bizarra e de difícil compreensão. Melhor do que fazê-lo através de comportamentos que a comprometem seria contá-la com suas próprias palavras a uma terapeuta. Nem viciada em sexo, nem prostituta: a entrega sexual da Yolanda é precoce e imprudente por ela ter entrado precocemente na vida sexual. Precisa exumar seu passado e depois enterrá-lo, para não repeti-lo.
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Os habitantes da comarca conseguiram reconstruí-la, as casas novas foram se tornando mais sólidas e resistentes. Apesar da dor e do trauma, muitos se casaram e tiveram filhos, dos quais cuidaram primorosamente, para salvá-los de possíveis abusos e terremotos.
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Alberto Godim
Psicanalista

Comentários

Serena Flor disse…
E existem muitas Yolandas por aí não é mesmo?
Ótimo texto...adorei!
Um grande beijo e um belo dia!
Mylla Galvão disse…
Talvez eu seja uma Yolanda dessa... Igualzinha a do seu texto... Ele tem muito a ver comigo... Ainda me dói falar sobre isso...
Por isso me identifiquei com seu texto...
Bjo grande
Loloh disse…
gente..adoro lê esses textos..sempre me encantam... continue vc tem um dor...sempre me surprende
Gustavo disse…
vc tem procurado 'foco'? é bom ter foco. Ajuda a caminhar mais tranquilo e em paz.
a trema caiu e eu pendurei no colar de identificação do Ibama do meu papagaio...
já fiz isso mais de cinquenta vezes, nãp esquenta.
Abraços,

Gustavo
Malaguetta disse…
existem tantas Yolandas...
texto maravilhoso
Menina Robô disse…
Existe cura sim,
basta querer e optar em ser Feliz, do q ficar martilando o passado...
Afirmo isto, pois tbm a vida nao satisfeita... me fez ser esta Yolanda...

Qualquer dias desses posto esta minha historia desta superaçao e te aviso!

Bjokas =*

Kariny
Ernani Netto disse…
Ótimo texto!

Devemos refletir muito antes de pensar em "julgar" as atitudes dos outros!

Bjaum

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